FANFIC
Diante de tanto sofrimento e em meio à paisagem hostil do sertão nordestino uma família composta por quatro pessoas e uma cachorrinha se arrastam numa peregrinação silenciosa.
O moleque, exausto cai no chão e Zé tenta reanimá-lo. Levando-o nos braços logo depois, o que faz demorar ainda mais a jornada.
Criança vai se arrastando segurando na saia de Maria, enquanto, o animal apelidado por “Custela” acompanha o grupo, sem a presença do papagaio. Após longos dias de caminhada a família encontra uma fazenda abandonada e resolve ficar por ali na tentativa de mudar de vida. Sem muitas forças para acampar e organizar-se, é então que surge a cadela com um preá entre os dentes, caça que servirá de alimento para toda a família.
Contudo a vida naquele local não se mostra tão fácil como pensavam. Zé é preso, apanha de um “Soldado Amarelo”, gasta o pouco que ganha com cachaça, além de ser explorado pelo patrão, que sempre o rouba nas contas.
Já Dona Maria, vive sonhando com uma cama de lastro de couro e sucupira, e é sempre muito cuidadosa com a família.
Moleque apanha por achar a palavra “inferno” bonita.
Criança sonha em ser como o Pai quando adulto e resolve trinar montando nos bodes.
“Custela” com pelos caídos, feridas na boca e beiços inchados, é sacrificada por Zé, que ao vê-la julga estar com raiva, mesmo considerando-a como membro da família.
Sendo assim, já não há mais motivos para permanecer em meio a tanta miséria, e antes que chegue mais uma grande seca a família resolve fugir em busca de uma vida melhor, afinal com um Brasil tão grande, deve haver oportunidade de um bom emprego no Sul, educação para os filhos, e uma vida mais tranqüila e menos sofrida. Levando na bagagem sonhos, medos e curiosidades.
Depois de meses de viagem do nordeste à tão sonhada cidade de São Paulo, sem conhecer nada e nem ao menos falar direito, a família vai morar numa favela. Lá, Zé é assassinado, Maria torna-se prostituta, e os filhos acabam no mundo das drogas, se envolvendo com traficantes e armas.
PERSONAGENS
Seu Zé
Dona Maria
Criança
Moleque
Custela (cadela)
Vida Seca no Sertão
Em meio à paisagem hostil do sertão nordestino uma família composta por Seu Zé, Dona Maria, e seus filhos Moleque e Criança, uma cadela chamada Custela e um papagaio. Seu Zé, chefe da família, ao anoitecer, se vê sem nada para comer e para dar para seus filhos, chama a família e anuncia que vão partir daquele lugar ao amanhecer.
– Perssoá, mermo antes do galo cantá nós vai simbora deste lugá mardito, nós não pode viver assim, sem comida, sem água pra nós bebê.
– Muié, arrume a troxa que vamo saí mundo a fora percurar nossa meiora, aqui nós num fica mais.
Mesmo antes de o galo cantar, D. Maria já está de pé e trouxa arrumada. Ela vai perto de Moleque e criança que dividem uma esteira de palha, se ajoelha próximo a eles e começa a sacudi-los.
– Meus fi, acorde, vamo parti, o pai de ocês já se alevantô se alevante tobém.
As crianças levantam, se juntam aos pais e seguem viagem se arrastando numa peregrinação silenciosa.
No meio do caminho, Moleque começa a diminuir os passos, exausto cai no chão e Zé tenta reanimá-lo dando-lhe estocadas com o cabo da faca.
– Se alevanta miserave! Ocê só ta atrasano a viaje.
Moleque responde com gemidos.
– Um, um, um…
D. Maria fica olhando o filho mais velho, ali, caído sem forças para levantar, leva a mão até o teço de galho seco que ela mesma fez, amarrado com palha seca e começa a rezar baixinho. O patriarca se vê sem opção e carrega Moleque nas costas, o que faz demorar ainda mais a jornada.
Criança vai se arrastando segurando na saia da mãe, enquanto, o animal apelidado por “Custela” acompanha o grupo, sem a presença do papagaio, que fora devorado na véspera da viagem para salvar a família que sofrerá sem ter com o que se alimentar.
Após longos dias de caminhada, de longe, Criança é quem avista uma fazenda abandonada.
_ Óia mãe! Lá adiante uma casa veia!
– É prali qui nós vai?
Todos fixam os olhos na imagem que vêem longe, tão longe que parece mais um pedaço de papel no chão. Todos começam a imaginar coisas e acham que é a salvação da família. Ao chegarem à casa resolvem ficar por ali na esperança de mudar de vida. Sem muitas forças para acampar e organizar-se, é então que surge a cadela com um preá entre os dentes, caça que servirá de alimento para toda a família. Seu Zé, ao ver Custela com a caça, logo arrebata da boca do animal, com medo que ela devorasse a caça por inteiro, pois era o jantar e talvez a refeição da família pelos próximos dias, ou até quando durasse.
– Me dê cá isso impistiada!
E a cadela fica olhando seu dono pendurar acima do velho fogão de lenha o que seria a sua refeição.
Contudo, a vida naquele local não se mostra tão fácil como pensavam. A casa é grande, porém velha, acabada pelo tempo de abandono da família que ali morou, e para fugir também da seca, foram embora para a cidade. Em um dos quartos, um lastro velho, comido pelo cupim. Dona Maria ao avistar aquele lastro, olha para Zé e abre um enorme sorriso, como quem quer dizer: “essa é a minha tão esperada cama de lastro de couro e sucupira”. Mas ao se deitar, ela descobre que é nada mais nada menos que pura ilusão, antes mesmo de deitar, quando ela sentou, ela sentiu a dureza da cama, a mão magra logo passou entre os lastros e Zé diz para a esposa:
– É! Pela oiada que ocê me deu inté eu fiquei sonhano cum a nossa cama com lasto de côro e surcupira.
– Inquanto sonhá num paga nós vai sonhano mermo. Disse Dona Maria com o riso no canto da boca.
– Zé, mudano a cunvesa de rumo, onde qui ta os muleque?
– Já foi cada quá pu seu ninho durmi. Vai durmi muié!
Dona Maria, vira-se para o lado, com um pouco de dificuldade, com medo que os lastros se desarmem, faz o sinal da cruz e adormece.
Ao acordarem, Zé calça uma botina que herdou de terceiros, com furo no bico de tão apertada que está, Vai para a varanda onde estão todos reunidos à espera dele para providenciar o café da manhã, pois o preá do dia anterior mal deu pro jantar. Criança se levanta da mesa e com a voz quase sem sair de tanta fraqueza diz ao pai:
– Tô cum fome!
– Inferno! Diz Seu Zé com os olhos cheios de lágrimas.
Moleque cai na gargalha. O pai do garoto olha para ele e vai ao seu encontro em direção ao pescoço, quando ele encosta as mãos para apertar a mãe do menino grita:
– Não! Por Nossa Sinhora Aparicida, se acarme home.
Ele sempre foi esquentado, Já Dona Maria sempre procurou contornar os problemas da forma mais tranqüila possível e manter a harmonia da família. Ele se afasta do garoto, pega um chapéu de palha e coloca na cabeça, dá as costas e sai resmungando;
– Vô na Vila arranja um sirviço.
– Vá cum Nossa Sinhora! Diz a esposa.
Ele vai para uma vila perto daquela fazenda na tentativa de arrumar serviço. Bate de porta em porta, nos botecos, nas vendinhas, mas não consegue nada e volta para casa frustrado, cabisbaixo, sem nada nas mãos para dar para a família. Os garotos, ao avistarem de longe o pai, saem correndo para recebê-lo, felizes, e a primeira coisa que fazem é olhar para a mão do pai vazia, sem nada, nem se quer uma bala. A esposa espera pelo marido na varanda da velha casa. Ele todo entristecido, com a voz quase presa diz:
– Amanhã, vô vortar lá pra insisti, vê se num me dexa trabaiá.
Mais uma vez vão dormir com o estômago colado de tão vazio.
Ao retornar a vila, ele faz amizade com um dono de um boteco, há quem diga na vila que ele compra mercadoria roubada na cidade. Ele convida Zé para viajar e ajudar ele na compra de novas mercadorias para o mercadinho. Zé aceita feliz. O rapaz combina com Zé que o pagará semanalmente, mas Zé pede um adiantamento em alimento. Ele volta para casa com um pedaço de charque, e um pouco de farinha, e a família comemora.
Chega o dia do pagamento e ele resolve tomar uma dose de cachaça, gasta o pouco que ganha, além de ser explorado pelo patrão que não paga o merecido e ainda o rouba nas contas.
Ele mal consegue chegar em casa, depois de ter gasto todo o dinheiro ele não se conforma e volta para o boteco onde trabalho para tomar satisfação com o patrão.
– Ocê me roba que eu sei.
– Ocê fez um acerto cumigo e num ta me pagano o que nós acertô.
– Eu num sei conta não, mas minha muié sabe um poquinho, e ela me disse que as conta ta errada.
Repentinamente ela começa a quebrar todo o boteco. Ninguém nunca tinha visto seu Zé daquele jeito. O dono do estabelecimento olha arregalado para seu Zé e nada responde. Seu Zé fica debruçado no balcão, quase desmaiado. Ele acorda se vê engaiolado e mal consegue abrir os olhos, a cabeça rodando, apenas vê alguém vestido de roupa amarela vindo em sua direção com um chicote nas mão, é o soldado amarelo que o chicoteia e deixa o corpo dele todo marcado e ele não suporta de tanta porrada e desmaia. Quando ele consegue acordar novamente ele levanta a roupa começa a procurar pelas marcas, mas já tinham sumido de seu corpo, e não vê mais o soldado amarelo.
– E a grade inferrujada? Sumiu tobém?
Que alívio para ele, tudo não passava de um sonho. O boteco já estava fechado, ele jogado no passeio, já era quase hora de trabalhar novamente, mas ele envergonhado foi para casa, no caminho pensando:
– Nunca mais vô te a coraje de vortá lá.
– é vergonhoso demais pro home como eu, pai de famia, passá uma vergonha desse tamanho.
Dona Maria viu a demora do marido, imaginou que o trabalho dobrou, foi dormir despreocupada com os filhos. Quando ele chegou em casa, ela sempre muito cuidadosa com as contas e com a família, começou a beirá-lo esperando que ele a desse os trocados como fazia antes de irem morar naquela fazenda, mesmo antes da grande seca de suas terras. Ele baixou a cabeça, e ela logo percebeu que não havia trocado nem troco algum, sentiu logo o cheiro da cachaça. Ela sai de perto dele e vai para a varanda de onde pode ver o Criança, montando nos bodes magros da fazenda vizinha.
– Óia mãe! Vô sê ingual meu pai, cabra macho forte que nem ele.
Ela nada respondeu, apenas olhando em volta, as terras tão secas, inférteis, e imaginando:
– Inferno!
– Nem água, nem cumida, nada pra se prantá aqui, e o pôco que o home ganha trabaiano gasta cum bebida.
– Deve ter gastado cum muié tobém!
“Custela” com pelos caídos, feridas na boca e beiços inchados, vai em direção a criança e ao bode, começa a latir e avançar no menino, seu Zé num instante salta de lá e se ver obrigado a sacrificar o animal, que ao vê-la julga estar com raiva, mesmo considerando-a como membro da família.
Criança desce do bode, e começa a chorar.
– Purquê ocê fez isso cum ela. Ela só quiria brincá cum nós!
Imediatamente, Moleque, não se sabe de onde surge e ao ver o animal caído no chão, se aproxima dele, se deita sobre ele e começa também a chorar.
– Minha cachorrinha, o que o sinhô fez. E a gora o que vai sê de nós sem ela?
Os meninos por muitos dias não se conformaram.
Sendo assim, já não há mais motivos para permanecer em meio a tanta miséria: seu Zé perdeu o trabalho que arrumou no boteco por causa da bebedeira e não teria mais coragem de voltar naquele lugar, a cadela, que muitas vezes os ajudaram a caçar não mais existia, antes que chegue mais uma grande seca a família resolve fugir em busca de uma vida melhor, afinal com um Brasil tão grande, deve haver oportunidade de um bom emprego no Sul, educação para os filhos, e uma vida mais tranqüila e menos sofrida.
Mais uma vez partiram, levando na bagagem sonhos, medos e curiosidades.
Depois de meses de viagem, andando, às vezes de carona em caminhões de araras, do nordeste à tão sonhada cidade de São Paulo, sem conhecer nada e nem ao menos falar direito, a família já começa a se impressionar com os grandes prédios da cidade, e vão acampar numa favela, onde mais tarde conseguem aos poucos construir uma casa de blocos, sem reboco, chão batido, mas mesmo assim eles acham que estão no melhor lugar do mundo, porque tem água encanada para beber e há serviço para Zé. Com o passar do tempo ele é assassinado, nunca souberam o motivo. Se bala perdida ou se havia se envolvido com coisas erradas. Moleque descobre uma forma fácil de ganhar dinheiro e leva consigo o irmão mais novo, mas infelizmente não se dão bem, eles são assassinados logo nos primeiros dias de trabalho, o tráfico de drogas. Maria se vê sem marido, sem os filhos, fica meses em depressão e é ajudada por uma vizinha, também fugitiva da seca nordestina, quem a convida para trabalhar com como prostituta.